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A Consideração da Reforma do Imaginário Como Critério Para a Reconquista da Reta Razão





Willian Oliveira de Sá[1]

 

 

Com o fim de se pensar em um necessário processo de reconquista da ortodoxia mediante às tantas crises ocasionadas pelo modernismo, importa preocupar-se com a reconstrução do imaginário, tão comprometido pela insanidade racional. Contudo esse processo de reconstrução mais significaria reerguer-lo do estado zero, uma vez quesendo grande a contaminação do racionalismo desenfreado e autodestrutivo, encontra-se atrofiado o imaginário, poisnão exerce mais seu papel tão                                      considerável para o exercício da própria razão, que é de lhe propiciar arrimo esubsídios.

 

Entretanto, além da necessidade de se considerar o ato da faculdade imaginativa, o que é basilar, é louvável, também, a partir de seu bom uso, que a almeje como mais um  meio que sirva a saudável vivência da vida. Já que a imaginação saudável é fortemente benéfica para a saúde mental, não só, mas também física e até mesmo espiritual à medida em que, por ela se pode transcender nas ilimitadas possibilidades da cognição humana. Com isso, ao passo que é reconstruída, ou até mesmo formada primariamente, no mundo sensível pode-se viver e lidar com as questões filosóficas com grande segurança e tranquilidade.


Ora, a Douta Imaginação não é pura imaginação, é ato criador, é o indivíduo que é capaz de criar uma sequência de imagens que o capacita viver melhor no mundo físico. Não se trata de trazer o irreal para real, mas se trata de, por meio da imaginação, expressar de forma fantástica verdades referentes ao próprio homem, ao  mundo, a sociedade,religião, seja lá o que for. O homem dotado de douta imaginação               é capaz de ir à lua, vivenciar a gravidade, retornar ao planeta Terra e contar sua experiência sem necessidade de sair de seu quarto, porque não imaginou simplesmente,ele de fato sentiu, viveu a experiência, porque acreditou.[2]

 

A experiência mostra que isso é comprovável, por exemplo, no que se deu no campo de concentração de Auschwitz, onde segundo relatos, os prisioneiros que possuíam motivações firmes para se viver: filhos, esposa,família, emprego, sobretudo  religião, eram mais fortes e suportavam melhor as atrozes torturas causadas pelosnazistas, enquanto que os carentes de perspectiva, solitários, sem religião sucumbiam mais facilmente às penas e a morte, quando não tiravam suas próprias vidas. Ora, a imaginação é a faculdade responsável em “fotografar” mentalmente e ruminar tais imagens de quando em vez para estar a serviço de cooperação com a razão, quer dizer, os prisioneiros hauriam forças pelas vias da imaginação, em certo sentido. Porém, se tivessem tais prisioneiros déficitsna imaginação ou a ausência dela, teriam menos chance, ou não teriam, talvez,  salvaguardada a sanidade mental que lhes auxiliavam a sobreviver por mais tempo, seja lhes recordando continuamente de seus ideais, seja lhes impulsionando a esperar o dia de sua libertação, por uma saudável ansiedade, como a das crianças.


Como havia já dito na definição acima, a imaginação não é somente o ato de criar imagens ou estórias, contos ou fábulas, mas também o ato de antecipar certas realidades que ainda estão por vir. Por exemplo, quando a uma criança se promete um dia inteiro num parque de diversões no seu dia de aniversário, certamente esta criança irá imaginar todo o seu dia e verdadeiramente sentirá, de forma antecipada, a alegria de vivenciar aquele dia. O mesmo e de forma perene ocorre com a Douta Imaginação.[3]


Com tais motivações práticas se deve encarar a ruína que assola o mundo por ocasião da propagação seja do racionalismo obstinado, seja do agnosticismo, seja, do ceticismo, do materialismo, idealismo, evolucionismo, pragmatismo, imediatismo… E qualquer a vertente que conduz a loucura, como aborda Gilbert Keith de Chesterton ao longo de sua obra Ortodoxia, mas também em outros livros seus, artigos, ensaios, etc.


Devo deixar claro que não se trata de uma simples imaginação, como viver numa fantasia simplesmente, mas se trata de usar uma faculdade própria do ser humano para auxiliar a tão singular “razão humana”. Ora G. K. Chesterton é um notável exemplo de um homem sábio e meditativo que soube junto com a razão se beneficiar      com aDouta Imaginação. Seus escritos conduzem o leitor justamente para esta forma  de ver o mundo. Esta forma de imaginação era o perene ato que fez de Chesterton tão notável e temido Filósofo do séc. XX. Ao contrário de inúmeros ideólogos e filósofos da modernidade e contemporaneidade, que dão total ênfase aos prazeres ou  a razão (odito racionalismo), Gilbert Keith Chesterton soube integrar a razão com a imaginação.[4]

 

É justo saber, também que a imaginação, a despeito de seu papel relevante de ser propedêutico para a açãoracional, deve ser entendida, também como algo a ser zelado e monitorado pela razão.


Dado o exposto, convém que haja a integração da imaginação com a razão, já que esse percurso é                 feito pelo próprio autor de Ortodoxia, lançando luz no capítulo O lunático, da mesma                  obra, prometendo retornar com seu desenvolvimento no findar do livro: trata-se da relevância, segundo Gilbert Keith Chesterton, de se defender a sanidade mental pela salvaguardada do denominado “misticismo”, não no sentido teológico-espiritual, mas                         noentendimento sobre aquele que está imerso no mistério contido no “país das fadas”,           antes inclusive, já contido naprimeira saudação do universo.

 

Trata-se aqui, de ser esta a força motriz, a fonte renovadora dos que procuram refúgio contra a insanidade: “o mistério”, “o qual mantém os homens sãos. Enquanto se tem mistério tem-se saúde; quando se destrói o mistério cria-se a morbidez.”[5]


O ato da Douta Imaginação pretende apenas meter a cabeça do homem no Absoluto.                 Enquanto que o lógico-racionalista, o amante da opinião, o louco imaginador ou o escravo das vontades, tenta colocar o Absoluto na cabeça. Isso certamente fará a cabeça deste indivíduo explodir[1]. A Douta imaginação ocorre quando o indivíduo                  demonstra certa insatisfação para com o mundo em que está inserido, o que o leva a  criar ou refugiar-se num mundo imaginário que nada mais é do que um instrumento de re-organização da própria razão, sentimentos, relações, projetos e escolhas. Não se trata de uma fuga do mundo real, mas de um “lugar” para o indivíduo recuperar as forças para a aventura do mundo real. É como um oasis no deserto.[6]

 

Obtém dessa saúde, aquele que se deixa necessitar, ou seja, quem se deixa maravilhar pelo que de extraordinário há por cima da ordem trivial das coisas com a ajuda da iniciação do misticismo, e dessa maneira, “o homem pode tudo compreender com a ajuda do que não compreende”[7] porque vive com leveza diante desse aparente  paradoxo, e não se tortura diante daquilo que não consegue processar pelas vias racionais, antes, nem se preocupa em conseguir talcoisa, por isso é chamado pelo autor  de homem comum, sempre são, porque sempre místico.


Ele permitiu o crepúsculo; teve sempre um pé na terra e outro na terra das fadas. Ele           sempre foi livre para duvidar de seus deuses; mas, diferente do agnostico moderno, também foi livre para neles acreditar. Sempre se preocupou mais com a verdade do que com a consistência. Se visse duas verdades que pareciam se contradizer, ele aceitaria as duasverdades e junto com elas a contradição. Sua visão espiritual é estereoscópica, como sua visão física: ele vê duasimagens diferentes ao mesmo tempo e por isso enxerga melhor. [8]

 

 

Isso se deu com Chesterton, a partir dos tempos remotos de sua infância quando  se deixava encantar pelos contos de fadas, das quais ele, posteriormente concluiu não                     se tratar de fantasias, mas de lugares completamentelógicos donde lucrava aprendizados aplicáveis na prática, Chesterton assim, aderia de bom grado como que  a outra lente para seus óculos, e a integração das duas lentes no seu ato de enxergar lhe proporcionava completa visão a respeito da realidade: a lente da imaginação e da razão.

 

O misticismo, então é isto: a percepção de que nem tudo é, nem tem de ser claro e racionalmente explicável, conhecimento esse que o autor aprendeu no universo dos contos de fadas -e que continua sendo caminho acessível paraqualquer um- através do  justo lugar que reservava para a imaginação, para ser integrada à razão de forma tranquila enatural.

 

Chesterton prossegue com esplêndida analogia acerca do misticismo. Diz que há  um símbolo da natureza físicaque exprime com exatidão a função do misticismo para  com a realidade, que é o símbolo do sol, isto é,  o misticismodá a enxergar a realidade às custas de sua própria luz. Qual luz solar para  a qual não se pode olhar diretamente, mas usufrui-se de sua iluminação para que se possa enxergar tudo o que é por ele iluminado, assim é a luz que irradia domisticismo                            aclarando muitas realidades, pelas vias da razão, inclusive.


Como o sol do meio dia, o misticismo explica tudo pelo brilho de sua triunfante invisibilidade. O intelectualismodesapegado é, no sentido exato do dito popular, um             puro brilho lunar; pois é a luz sem calor, e luz secundária, refletida de um mundo morto. E os gregos tinham razão quando tornaram Apolo o deus tanto da imaginação  quantoda sanidade; ele era o patrono da poesia e da cura[...],Mas o transcendentalismo pelo qual todos os homens vivem têm primariamente a mesma posição que o sol no céu. Somos dele conscientes como uma especie de esplendidaconfusão: é algo brilhante e sem forma, ao mesmo tempo uma chama e um borrao. mas o círculo lunar é tão claro e inconfundivel, tão recorrente e inevitável, quanto o  circulo euclidiano no quadro negro. Pois a lua é completamente razoável: é a mãe de  todos os lunáticos e lhes deu seu nome.[9]

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. Campinas: CEDET, 1923.

 

OTENIO, B. A Douta Imaginação e a Louca Imaginação: G. K. Chesterton & Friedrich Nietzsche. SociedadeChesterton Brasil, 2015. Disponível em:


[1] Graduando em Teologia pela PUC-RJ. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-4249-7844. E-mail: sawillian3@gmail.com

[2] OTENIO, B., A douta imaginação e a louca imaginação.

[3] OTENIO, B., A douta imaginação e a louca imaginação.

[4]  OTENIO, B., A douta imaginação e a louca imaginação.

[5] CHESTERTON, G. K., Ortodoxia, p. 33.

[6] OTENIO, B., A douta imaginação e a louca imaginação.

[7] CHESTERTON, G. K., Ortodoxia, p. 34.

[8] CHESTERTON, G. K., Ortodoxia, p. 32.

[9] CHESTERTON, G. K., Ortodoxia, p. 34.

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