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A Epistemologia de Chesterton Contra o Modernismo Filosófico



Willian Oliveira de Sá[1]

 

Reinava no mesmo período em que Chesterton escrevia preocupado, obras de críticas às correntes de pensamentos modernos, -dentre essas obras, Ortodoxia- o Papa                  São Pio X, cujas preocupações, também no tocante aomodernismo, de várias, destaca- se a que possuía de comum com Chesterton, a qual situa-se no âmbito filosófico, qual           seja, a versada na doutrina do agnosticismo, classificação essa, feita pelo próprio Pontífice em uma de suas cartas encíclicas intitulada “Pascendi Dominici Gregis” (PDG), sobre os erros do modernismo.


Exatamente na subdivisão sobre o modernismo filosófico, a primeira do sistema modernista, que faz São Pio X nesta carta encíclica, encontra-se a denúncia contra a referida doutrina por reduzir a razão humana unicamente “àconsideração dos fenômenos, isto é, só das coisas perceptíveis e pelo modo como são perceptíveis; nem tem ela direito nem aptidão para transpor estes limites” como diz o próprio Papa.


A propósito, nesta mesma linha, também Chesterton discorrerá contra, anos depois, por tal doutrina divergirfortemente de seus pensamentos a respeito da epistemologia, ele que é um dos maiores expoentes da ênfase da imaginação no processo cognitivo, isto porque, como um bom aristotélico-tomista, Chesterton tem por certo de que “nada está no intelecto que não tenha passado pelos sentidos”, como dirá Aristóteles, isto é, o conhecimento se dá pelaexperiência sensível, pela mediação dos sentidos externos, que conduzem todas as informações apreendidas ao sensocomum[2], o qual fará a síntese das captações dos sentidos externos, e dessa forma, por esta simples apreensão,ocorrer a captação da essência do objeto da cognição, respondendo assim o quid est[3], conclusão essa feita pelo intelecto, formando o conceito.

 

Todavia, há um elemento indispensável neste processo, embora esteja em certo sentido à serviço do senso comum, que é a referida imaginação (chamada também de fantasia), outro sentido interno cujo objeto é representar, tornar presente novamente, algo que estava nos sentidos externos. Com isso trabalha em função do passado, de modo que ela é reconhecida como “o arquivo das percepções” e por isso responsável também pela continuidade naspercepções ausentes, e, portanto, passadas, mas também em acrescentar em certas percepções presentes, percepçõespassadas.


Mas a função da imaginação ou fantasia não se limita ao objeto ausente, também completa a percepção de objetospresentes com percepções passadas. Na verdade, ao descobrir a pegada de um elefante, minha imaginação completa a percepção com outros dados sensíveis (tamanho, forma, cheiro etc.) de tal uma forma que permite representar o elefante inteiro: um único dado sensorial torna possível "reconstruir" todo o sujeito.[4]

 

Com efeito, a imaginação é de papel sine qua non no processo cognitivo, pois em relação ao homem ela dispõe àinteligência as informações captadas pelos sentidos, de sorte que não é possível o pensar humano sem a imaginação, como explica o Padre José A. G. Cuadrado:


No caso do homem, a imaginação fornece à inteligência imagens das quais o homem obtém idéias como "poliedro","canguru" ou "porto marítimo". Todo o nosso discurso racional é acompanhado por representações imaginativas: issonão significa que a ideia seja identificada com a imagem, senão que o pensamento humano requer o apoio sensível da imaginação. Nossas idéias e conceitos são "alimentados" pela imaginação e são obtidos a partir dela. Na verdade, tendemos a imaginar tudo o que pensamos, porque não podemos conhecer o mundo se não for pela sensibilidade.[5]

 

Dado o exposto, entende-se melhor por qual razão a doutrina agnóstica denunciada pelo Papa Pio X, curiosamente, quase que concomitantemente com as apologias de Chesterton, discorda tão acentuadamente com a teoria do conhecimento defendida por este. Isto é, a forte defesa de Chesterton à imaginação só tem a sua razão de ser porque está a serviço do termo do processo cognitivo: o conhecimento, poder-se-ia dizer mais: a serviço doconhecimento de Deus pela luz natural da razão integrada à imaginação, tanto é assim que as suas teorias em “AÉtica do País das Fadas” geraram campo estupendamente fértil para as obras de C.S. Lewis e J. R. R. Tolkien, tão cheias de fundamentos Cristãos. “As escolas e os sábios mais imperscrutáveis nunca chegariam à gravidade que existe nos olhos de um bebê de três meses. É a gravidade do espanto diante do Universo, e espanto diante do Universo não émisticismo, mas um senso comum transcendental”.[6]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. Campinas: CEDET, 1923.

CUADRADO, J. A. G. Antropología filosófica: Una introduccióna la Filosofía del Hombre. Navarra. EUNSA, 2001.

PIO       X,       PP.       Pascendi       Dominici       Gregis.       Disponível       em:

<https://www.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p- x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html >. Acesso em: 19 nov. 2021.

 

[1] Graduando em Teologia pela PUC-RJ. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-4249-7844. E-mail: sawillian3@gmail.com

[2] Entenda-se aqui como um dos sentidos internos, ou uma das faculdades cognoscitivas.

  [3] “O que é”

[4] CUADRADO, J., Antropología filosófica: una introducción a la filosofía del hombre, p. 60, tradução nossa.

[5] CUADRADO, J., Antropología filosófica: una introducción a la filosofía del hombre, p. 60, tradução nossa.

[6] CHESTERTON, G. K., Ortodoxia, p 117

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