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A Hegemonia do estado Pré-Filosófico

Updated: Nov 17, 2024




Janderson Juvino da Silva

Graduando em Filosofia pelo universidade PUC-RIO.


Muitas pessoas ao redor do mundo já tiveram a oportunidade de visitar uma grande catedral em estilo gótico. Não é incomum ouvir acerca da sensação de arrebatamento provocada pelo contato com tais edificações. Capaz de extrair do observador uma sensação de curiosidade e ao mesmo tempo de espanto, a realidade com a qual o observador se depara no interior de cada uma dessas, que foram os primeiros arranha-céus, o comunica a existência de algo que os seus olhos não são capazes de alcançar. Há uma cadeia de símbolos e substâncias que fazem com que ogivas e rendilhados não transmitam apenas aspectos acidentais e conhecíveis apenas pelos sentidos, mas por eles mesmos, comuniquem conceitos fundamentais da realidade. É verdade que se alegue que esse fulgor não seja comum a todos que adentram uma imponente catedral, mas é verdade ainda que algo similar seja evocado no interior de cada homem que permaneça por alguns instantes ante a linha do horizonte que separa céu e terra ou mesmo deitado em um campo a observar o voo dos pássaros. A questão inicial a ser elencada é o papel inegociável da contemplação no processo do conhecimento.


Aquele que não se propõe a tal labor, ainda que perceba e conheça algo de verdadeiro transmitido pela matéria das coisas, não chegará à essência e, portanto, não se aproximará do chamado de todo homem a conhecer, como apresenta H. D. Gardeil em sua obra introdutória à filosofia de São Tomás de Aquino, onde diz: “Há no homem uma tendência inata ao saber, isto é, a conhecer pelas causas, e este desejo não pode ser satisfeito senão no momento em que se atinge a causa última, aquela após a qual não há nada mais a procurar, e que se basta, portanto, a si mesma.” [1] Não será de se estranhar a necessidade de conhecer algo de imaterial presente nos seres corpóreos, uma vez que ao olhar para a natureza humana se veja a presença de um princípio vital que sustenta a vida do corpo, animando-o, a qual chama-se alma. Com isto, não se deseja apontar a existência de uma alma para cada ser corpóreo, uma vez que há os inanimados, mas de notar a possibilidade de conhecer dimensões imateriais de cada ente segundo à sua natureza e que são necessários para estender o conhecimento acerca da realidade na qual todos estão inseridos.


Esse mesmo fulgor “catedrático”, paisagístico, assombrou também os pré-socráticos que, diante da natureza, pela observação, ultrapassaram pouco a pouco o estágio pré-filosófico do conhecimento, onde passaram da etapa da mera observação à busca pelas causas primeiras, razão de ser da filosofia. Ora pela água; ora pelo ar; ora pelo fogo; seja através de Tales de Mileto; seja com Anaxímenes; seja por Heráclito; o indivíduo humano notou que lhe era possível conhecer para além dos sentidos através dos sentidos, não obstante, Anáxagoras nessa cadeia chega a um princípio imaterial como princípio de todas as coisas. [2]


Em que instante se estagnou o ser humano na busca incansável por saciar-se na visão de si mesmo ao “modo de Narciso”, separando-se da voz que ecoa na realidade?! Outrora, com o sofista Protágoras, diz-se que o homem é a medida de todas as coisas [3], como menciona o Cardeal Zeferino na sua obra da história da filosofia, daí um curto salto foi para sucumbir ao subjetivismo, ao relativismo e ao ceticismo, onde há uma constante tentativa de adaptar as coisas a si por vaidade, por interesses pessoais ou ainda por preguiça [4]. Daí, pode-se questionar: Por onde repousa a figura do conhecido Sócrates? Que valor possui a verdade presente e independente de nós na realidade? Dão crédito mesmo à ideia de que esta não se pode ser conhecida como dizem os céticos? A partir da vida deste, que tornou-se conhecido por seu discípulo Platão, percebeu-se que não poderia apoiar-se apenas no conhecimento alcançado pelos sentidos, mas era necessário uma investigação, de onde ele vai encontrando todos os sujeitos que diziam ter a posse de determinados conhecimentos, seja a justiça, seja a beleza, etc. Tão-logo, assim, por prêmio, pôde encontrar a verdade que mais valia: a que nada sabia; por esta poderia então passar a conhecer, já que longe da presunção, presente nos demais, viu-se ignorante e necessitado de conhecer, o que assume São Tomás como se mencionou no início pelo trecho de Gardeil e como também defende Hugo de São Vitor em seu opúsculo sobre o modo de aprender, onde cita a humildade por primeira entre as condições necessárias para o aprendizado. [5]


De tal maneira, pensando em como tal contexto implica nos dias atuais, revela-se de suma importância a prudência quanto ao fenômeno atual dos “produtores de conteúdo”, estes dizem saber de muitas coisas, mas, muitas vezes, não se detiveram na experiência da investigação do objeto dito em domínio. Muito possivelmente, apenas conhecem os acidentes de determinada realidade. E, assim, enquanto leitores e interlocutores, quando se percebe, conhece-se muitos acidentes de muitos seres, mas pouquíssimas substâncias de poucos seres. Haveria, portanto, realmente o contentamento com a hegemonia da condição pré-filosófica do conhecimento por parte do homem contemporâneo, onde até se conhece algo, mas apenas de modo desorganizado e superficial? Diante dessa questão, tomar a postura tomista de assumir o realismo aristotélico, parece caminho bastante seguro e atraente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


[1] GARDEIL, Henri-Dominique, Iniciação à filosofia de São Tomás de Aquino: psicologia, metafísica, Paulus, 2013.

[2] MARITAIN, Jacques, Elementos de filosofia I, Introdução Geral à filosofia, Agir, 1989.

[3] GONZÁLEZ, Zeferino, Historia de la Filosofia, 2ª ed., Madrid, 1886, tomo 1, p.178-181

[4] JOLIVET, Régis, Traité de philosophie: logique cosmologie, editor emmanuel vitte, 1961, p.149

[5] São Vitor, Hugo de, Opúsculo sobre o modo de aprender e meditar.

 



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