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Chesterton: Filósofo Pelo Método Natural.

Updated: Nov 17, 2024


Willian Oliveira de Sá

Formado em Filosofia e graduando em Teologia pelo universidade PUC-RIO.


A mente de Chesterton é essencialmente filosófica, dado que, se um ser está ligado ao Absoluto, essa é sua relação absoluta. Não foi apenas o poeta nele; mas, em primeiro lugar, o filósofo nele que, quando caminhava pelos campos, viu na margarida o olho de Deus e, ao passear despreocupadamente pela Strand, viu uma escada que descia dos céus para Charing Cross [...] Não existe uma linha de seus livros que não me diga enfaticamente: “Esse homem é um filósofo”. Mas existem poucas linhas que não dizem também, com ênfase semelhante: “Esse filósofo é um poeta”. (MCNABB, 1955 apud PAINE, S. R., Chesterton e o universo, p. 207.)


A constatação supracitada ilustra bem o predicado amistoso da personalidade de Gilbert Keith Chesterton, o que, sem dúvida, é certificável em todas as suas obras, porém não só no que tange a sua espirituosidade singular, mas sobretudo na grande afeição e familiaridade para com a realidade; a captação do ser e a compreensão do quanto de verdadeiro, bom e belo há na ordem trivial das coisas, o que o faz enxergá-las como extraordinárias a partir da perspectiva de redescoberta - paradoxal, é verdade, mas trata-se de Chesterton, o mestre dos paradoxos sadios, os que fazem acordar a mente, como disse ele próprio. Isto pode ser encontrado em três conjunturas, quais sejam, seus longos esforços pelo contato com a verdade, passando pelas profundas influências de Santo Tomás de Aquino, e seus juízos a respeito da denominada filosofia moderna.


Entretanto, o que significa, estritamente, dizer da amizade de Chesterton com a ciência de todas as coisas? Que contribuição deu seu labor intelectual para a filosofia? Com quais subsídios pode-se dizer categoricamente que G. K. Chesterton é um filósofo? Sobre esses questionamentos, comentadores como o especialista no assunto, Padre Scott Randall Paine, o qual levanta uma análise certeira em seu livro “Chesterton e o universo” – que, a propósito, é um completo comentário à citação do Padre Mcnabb feita acima - onde para explicar o problema partirá do argumento da “Primeira saudação do universo”, o qual consiste em dizer que o verdadeiro processo filosófico, o percorrido por Chesterton, se dá inicialmente na constatação do universo, tendo como ponto de partida a abstração dos primeiros princípios metafísicos, o que levará Paine a classificar o problema como o “filosofar in medias res”.


Isto se elucidará através de uma das características comuns entre a poesia, a filosofia e a oração. Faz-se poesia, como nas clássicas gregas, “em meio às coisas” já existentes, com os materiais já presentes na vida, de forma que o poeta não tem outro trabalho a não ser responder ao que recebeu a priori, apenas. O poeta faz poesia com a poesia que lhe é dada antecipadamente. A poesia possui uma existência objetiva própria. Existe no mundo antes mesmo de o homem começar a escrevê-la. O homem responde à poesia que lhe chega quando escreve sua própria poesia.


Com o mesmo raciocínio dizemos da filosofia, quer dizer, o conhecimento científico, de todas as coisas que já se encontram na realidade; o encontro das causas primeiras de tudo o que já existe in re. Complementa a frase do Padre Paine: “O mundo já está aí, e, evidentemente, nosso conhecimento dele já está aí”, por essa razão o filósofo não deve ser lançado “no meio das coisas”. A filosofia, porém, tendo tal começo in medias res, revela certa dependência de colaboração da poesia, pois como se explicitará em capítulo posterior, a razão em algum sentido é “serva da admiração”, e por ser essa a fina flor da poesia é que se esclarece a referida dependência; trata-se de instrumentos que a poesia oferece à filosofia para continuar seu caminho: para a memória, imagens fiéis à realidade com uma experiência enriquecedora do concreto, como diz o Padre Paine, e dirá também: “O prazer da poesia levará ao clímax da admiração que, por sua vez, gera a indagação filosófica”, a qual termina na estupefação da oração. Já aqui vê-se o processo natural do filosofar, a seguir, importa, porém, dizer da experiência de Chesterton a esse respeito.


A partir da analogia feita por ele próprio em seu livro Ortodoxia, entende-se o processo de verdadeiro contato com a sabedoria e inclusive o espírito com o qual ele se preparava durante toda a sua vida para esse encontro com a filosofia, o que é bem evidente desde a sua mais tenra infância, onde afirma ter-lhe sido propiciado por uma babá, não ao modo sistemático, talvez por isso os tendentes ao mero racionalismo o rechaçam como filósofo, mas como ele próprio diz em Ortodoxia: “de forma vaga e pessoal, através de um conjunto de imagens mentais e não de uma série de deduções”. Minha primeira e última filosofia, na qual creio com uma certeza inquebrantável, foi aprendida no berço. Aprendi-a de uma babá; isto é, da sacerdotisa solene - e apontada pelas estrelas - da democracia e da tradição. As coisas em que mais acredito, e ainda mais agora, são o que chamamos de contos de fadas.


Dessa perspectiva, indicar-se-á outra noção da filosofia chestertoniana, que é a relevância do senso comum, não apenas no que diz respeito à faculdade da alma ensinada por Aristóteles, responsável pela integração das sensações captadas pelos sentidos externos - essa lhe será muito desenvolvida também - mas o que significa no modo de conhecer a partir das experiências hodiernas da vida, ao que ele discorrerá relativamente às ideias de democracia e tradição, quando diz daquela: “as coisas comuns a todos os homens são mais importantes que as peculiares a um só homem”, e complementará: “Em suma, esta é a fé democrática: as coisas mais terrivelmente importantes devem ser da alçada do homem comum - o cortejo amoroso, a educação dos jovens, as leis do Estado.”.


Isso demonstra a importância de se valorizar e vivenciar a vida cotidiana, e como ensina Chesterton, encontrar na ordem trivial das coisas os seus maravilhamentos, o quanto de extraordinário contém em cada uma delas. O simples homem bípede, como tal, deveria tocar mais o coração do que qualquer música e ser mais impressionante que qualquer criatura. A morte é mais trágica que a morte por inanição. Ter um nariz é mais cômico do que ter um nariz normando. Este é o primeiro princípio da democracia: as coisas essenciais nos homens são as coisas que têm em comum, e não as coisas particulares.


Com isso, de modo algum a democracia conflitua com a tradição; esta é a perpetuação daquela pelos confiáveis testemunhos comuns da humanidade e não de acontecimentos isolados e arbitrários, como também ensinará em Ortodoxia. É por essa razão que Chesterton fala do que lhe ensinavam pessoas como sua babá, a sacerdotisa da democracia e da tradição, pois, pelo método natural, in medias res, tratava das coisas comuns com o prazer de lhes contemplar, até pela admiração, chegar aos questionamentos filosóficos e, por fim, transcender na teologia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. Campinas: CEDET, 1923.

PAINE, S.R. Chesterton e o universo. Brasília: UnB, 2001.


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